MÁCULA, AUSÊNCIA E ALUMBRAMENTOS
14:17:00
Há um resto de saudade com gosto de sal do Himalaia.
É rosa a mancha que desorganiza as imagens na sala, no quarto, na varanda e no terraço.
Revisito os espaços, passo os dias em passos lentos e confusos, reocupando a rotina escapada pra fora da retina. Reencontro os dias sem cálculos, os amores perdidos entre os fios do cobertor de lã. Minha roupagem ressonante debaixo da cama se debruça numa tentativa fútil de socorrer o que já não restara mais de mim.
Há um resto de memória fluida que anda desgrudando tua imagem da minha mácula enquanto adormeço sem querer. Imagens que fulora em flocos de frutose escondida na curva do teu sorriso e que pacifica a dor da ausência.
São demasiadas as palavras pontuais sem entonações, um emaranhado de fios condutores que não causam mais distorções, não me calça os pés, nem tão pouco caibo nessa mera casualidade atual, fatalista.
Em medidas de um manequim desproporcional fico sobrando entre os números ultrapassados de minhas calças, coloridas, dobradas e enfileiradas no fundo de uma gaveta no móvel do quarto de dormir, com vincos e sem ninguém pra vestir - continuarão esquecidas. Talvez seja por isso, ultimamente tenho andado vagaroso, contudo, cheio de preguiça.
Eu quero erosão no desamparo e intemperismo nos encontros, comoções que me causem náuseas. Que a dilatação seja meu maior sintoma, por não encontrar um sentido que me vista ou me caracterize inconsistentemente em uma segunda pele qualquer.
A esperança poderia desfilar horas e horas desgastando a epiderme da pele que se despe para o desejo mais absurdo, até que a repetição das bocas se canse e se calem. E que o silêncio das línguas dos amantes se perca atravessados pelo gosto do doce amargo. Até que não me restem forças, apenas a dúvida dessa dívida simbólica contrapondo ao peso oblíquo do perdão, acidulante ócio previsto quando houver caos em meus pensamentos.
A estrada parecerá nunca ter fim, e de tão comprida, meu riso cairá feito um molambo, vestido num terno riscado, amadeirado, descosturado do mundo - arcaico rompante teatral. De tão errante e cheio de tédio, tornará a cair por desuso nesse verbo frouxo, sem causar impacto, por ser opaco, talvez.
Só restará meu chapéu bordado, bordô, e que talvez ainda cause gosto em alguém como eu, por ser um objeto voluptuoso com cheiro de bromélia imperial.
Dizem que sou cinematográfico e solitário.
- Dizem!
Tiro meus óculos para ver-te mais uma vez, digo e retiro. Redijo em cartonagem.
- A miopia é minha!
Atravessado pelo eixo dessa existência contínua percebo que até mesmo o infinito pode ser sentido agora como um simples momento breve – o que é belo, tornando-o infinito na memória.
Sem meus óculos, algumas aberrações escorrerão nesse solo analítico formando ondas devastadoras, mesmo sem significações metodológicas, sem estrutura escritural. Num espaço para além de um "mundo pronto", se trata de uma invenção non-sense, e que se encontra fora das representações.
Estou nessa imensidão, insulado, me desgrudando pouco a pouca da teia do arquiteto. A forma é singular, não tem roupa que caiba numa vida inteira, nem tamanho único que me sirva. Também sou o vômito que provoca possibilidades infinitas em mim, e se por acaso respingar em ti, então que nos percamos na multiplicidade exponencial que representamos a cada instante, inédito.
Na troca com tudo que é vivo e fala, com tudo que é morto e cala, minha pretensão está para além dessa ausência que me cansou o dia.
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