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RENASCENÇA CONCRETA

20:13:00

Quem dera sentisse meu corpo tão concreto e minha mente tão sincera a tal ponto que pudesse prodigalizar sabedoria e deixar de ser tão cabotino não cabido nos braços de outrem, que difama minha insensatez e denuncia o enredo sóbrio da loucura emergente, típico dos fadistas mascarados contemporâneos, dos que se aconselham com a lucidez e se compadecem de meus atos glorificados na disformidade burlesca, virulenta.
Seria em segundo ato um idílio por assim dizer, poético, sucinto, curto e simples, porém delicado, um cílio repousado entre os seios da mulher amada ao sol das imbricadas transfusões de intimidades imaginativas.
Soberbo! Soberano! Subversivo! 
É do verbo violento que componho o homérico cordão da paulicéia - um invisível escafandrista do século XXI. Sou eu esse homem aprisionado em uma armadura de borracha e latão, hermeticamente fechado no salão das ilusões. Do lado de dentro dessa alegoria um manancial de ideias expostas, cavernas escuras onde moram todas as negações... Por hora apenas isso é o que importa. 
Meu corpo é o escopo da vontade, um almanaque de sons e sentidos, uma alameda atravessada entre ruas tortuosas, memórias postuladas em que tantas vezes nos perdemos enfeitiçados, desvairados, encarnados sob a pele de deuses e deusas, afirmando existir para um mundo tão descrente. A voz vai e vem, ao vento se perde. Carmenere no fundo do copo, minha voz se ergue embalada pela valsa das sombras em passos lentos, cambaleantes... A tontura recorrente, um deslocamento súbito, orbitando fora do espaço real. 
Da queda brusca da fala fatal que falta, até as sobras fartas entre os dentes gastos, o desejo que perpassa entre os corpos fluidos, dissonantes, são agora geradores de novas tonalidades oscilantes da frequência poética, deixando escapar ao final do terceiro ato, pelas vias violadas da paixão um movimento imagético de estar em toda a parte e em lugar algum.
Inúmeras peças tônicas, removidos rótulos de garrafas de vidro, simulacro da literatura acentuada, um arabesco de sentidos tecidos na carne, fecundo na monocromia do desenlaço. Um caminhar a esmo, meus olhos transbordam em pedaços de não existir, sem sustentação ou consistência segue desamparado no campo real e por isso se percebe tão dolor nesse trabalho de parto, de partir-se, deixar-se ir sem o autorretrato ideal que goza na visão quimérica da reine mère. 
São as lascivas lascas de desejos dissolvidos e absorvidos pela fala que ecoa dentro da tua boca muda, quase crua, um resto de não sei o que... Uma invasão transversal da natureza-morta. Estamos inundados, submersos pelos espaços sujos mundanos e não há um deus que nos salve de nós mesmos! Então que a angustia da solidão se afaste e que os dias comigo sejam minimamente suportáveis...
A disritmia insolúvel se declara absolvida em último ato, fomos esquecidos dentro de um ossuário templário, nada mais restou de nós, além dessa rouca voz, um rascunho das horas, o rabisco da trova fadigada, ofegante e corrosiva, o som da frase cantada. 
Do corpo de carne e osso um esboço, um corpo acústico refazendo sua morada, me recolhendo em versos, versus a tudo que há de mais sagrado e simbólico, enveredado pela boca aberta da noite tórrida, alumbrado pelas formas obsoletas da tua imagem grudada em minha mácula. Desperdiçamos o halo raro das manhãs como um bocejo e o aroma da cor que chega reconfigura toda a beleza ofuscante da tua presença.

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