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MANOBRAS E REVOEJOS

07:31:00

O relógio parou no mesmo instante em que a destreza do olhar se fez pitoresco, calçado na valorização dos ponteiros paralíticos, estáticos e absurdamente ancorados no tempo, nas horas que dão voltas em torno dos movimentos circulares do meu corpo peito aberto pela casa em pleno sol do meio-dia.
O tempo das coisas mudam a cada revoejo, nas paisagens deixadas para trás, no passo dado à desmesura do abismo, no beijo em que a boca se calou, no grito da criança que nasceu, no esquecimento de um nome, na lembrança de um olhar perdido e no silencio da palavra que despenca à sombra do corpo caído.
O tempo é a beleza em que contemplo e navego, nele as coisas se organizam, mesmo quando tudo parece um caos, fora de mim, centrado na cadencia rítmica do verbete enfeitado de lírios, em campos vastos, visto antes um deserto, despido de cores, tortuosas dores.
Queria eu acreditar no poder cristão do perdão, nessa valorização narcísica, da imagem do bom pastor refletido no espelho, ou na tirania colérica da vingança, essa mão perversa da justiça que teima em bater.
Quem dera ainda me sobrar inteiriço, maciço, concreto pilar de sustentação dessa carcaça fétida, pulsional, sem sofrimentos perturbadores, nas entranhas mais obscuras, nas sobras jogadas na sarjeta, no realejo descrente, no grude dos cílios ao acordar, na lágrima escorrida sem porque, entre os dentes desgastados, amarelados dos cigarros tragados madrugada afora, e ainda conseguir pôr o corpo de pé diante do inimigo original. Tendo firmeza nos joelhos, no calcanhar, com a coluna ereta, a mandíbula firme - pontiaguda, o olhar mergulhado, afogado na íris do outro, allegro ma non troppo, e ao final da obra perceber a distância vil do tempo entre os corpos dobrados, amassados, o espanto da cara na cara, do tapa entoado no animal selvagem, do grito clamando socorro ao seu algoz, do que não tem cura nem nunca terá.

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