MAQUILAGEM
15:07:00
Consumido pela noite, em mim a metafísica já é um fato descrito e assimilado, não sendo mais um fado medieval, reconheço quem sou, desconheço o outro, habitante de mim que tem sede, desejando um livro aberto para a fuga certa das habituações enfeitadas de corais em que meu sonho habita.
Na conjuntura que se propõe a análise, o ser é apenas o verbo, um delírio poético da lógica e da razão que contamina o corte insustentável o qual não se encontra congruente a loucura palpável do presente momento poético.
Sem referências, o rosto desfigurado logo busca personificar-se na transmutação emergente.
Perdido nessa dimensão metafísica, sou condenado a ser eu mesmo e somente existir em minha própria morada, o corpo roto.
Na seara da lucidez do que quer que seja a existência, a experiência concreta é individual e redime minha própria esfera cabalística devolvendo a angustia da incerteza.
Dado ao entendimento que consiste nas experiências inexoráveis, a descrição histórica perpassa em meu corpo como fonte de informação visceral se diferenciando dos outros objetos.
Consistindo naquilo que tem de complementar, oposto, e na relação que provocam estranhamento dentro da geografia da própria experiência e da corporeidade com o mundo, sofro as urticárias somáticas deste corpo falante, que grita, geme e chora.
O conflito ciranda mapeando cada tecido, pelos e poros, a experiência se propõe transcender, indo assim para além de si, o corpo se encontra preso na escuridão, sem identificação causando horror e espanto ao se perceber refletido no espelho, um vulto de si que passa sem forma.
Bifurcado em desejo e representação o ser que se instaura num universo cego, de natureza violenta, se encontra preso, enjaulada nos desejos, e estes não dão vasão ao que somos.
Em contrapartida a representação se apresenta sublime, disfarçada, sem brutalidade, maquilada de acordo com a cultura em que o ser está inserido.
Um naco de pão alimenta a existência, mas não satisfaz o ser que tem sede, e pede água rogando aos céus para sobreviver na beleza do mundo.
O sofrimento consiste em enveredar-se a si mesmo, no retorno a querência da alma, migrar de um amor autocentrado para outro complexo e mútuo, no desenredo metricamente quando chega ao fim dos versos, dos sonhos, do verbo.
Cortejando o assombro, expondo a ilusão, a fuga da realidade está no horror de existir, na dor que consiste em dar-se conta dessa existência, a luz se perde no abajur aceso remontado na fantasia em tanto desalinho.
Sabendo que o ser nunca poderá estar no lugar de outro objeto ou ser esse outro objeto, fundido numa mesma morada corpórea, o processo de individuação é constante no movimento de existir, então por muitas vezes a poeira que irrita os olhos, se instalará causando tempestuosas dores nas mucosas da alma, desacelerando o pulso do viver.
O céu que não está sobre nós é observado para além dessa dimensão, clareira a semeadura, incontáveis pontos de luz que não tem referência solar, tarde ou cedo a trajetória desmitifica e elabora apenas os signos, os símbolos no corpo em que as representações ardem nos abraços abrasivos contemplam um amanhã sem fim, sendo o que simplesmente é, por poder reconhecer o dom de existir.
A felicidade não consistiria em ir de contra o mundo, nem na aniquilação dos outros objetos, mas sim no enfrentamento de seus próprios conflitos, na renovação a cada experiência vivida, além do desconforto sentido pelo risco autodestrutivo da própria existência, impulsionados apenas pelos desejos em sua áurea mais primitiva.
Outros cegarão seus próprios olhos para não olhar para a existência. Estes, serão conhecidos como covardes.
Existe outro que habita em nós e se revela a cada momento, nas vertigens, nos abismamentos e até na repetição de sermos nós mesmos.
Um plágio do que se faz bem e mal, a doença nos une e por ela se petrifica, o bem que mata a arte, a loucura intangível, sem significação.
A peste, a doença é um aprofundamento da existência e não subtrai o prazer de existir, onde não há tragédia não há fuga e sim criação e invenção do sentido pelo qual se pode encontrar inspiração para a construção se inventando.
Habitante de um vulcão silencioso, dos dias cheios e gastos, brutal como a espera, desdém as crenças, o tempo corre, foge em tufão, fingido o fim que não chega, não dizer o que não vem, deixando por aí, o não identificado por hora, escolhendo a chuva que escorre pelos cabelos, decorando o corpo em fios de despedidas, idas sem vindas.
Exasperando onde apenas sou passageiro apressado e embolorado, o corpo pede sombra, emperrado, embriagado sem consolação, debruçado no imenso mar de existir, na insolação do adeus gasto, do outro voltando ao ponto de partida, sentença da minha simples revelia suprimida.
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